A baiana Roselane Silva, 29, preferiu encarar de madrugada a fila com medo de perder seu benefício. A cearense Rosimeire Custódio, 55, tenta se informar pela TV e com vizinhos sobre como será seu futuro em programas de transferência de renda.
A recifense Laudiceia Santos, que não sabe como vai comprar o próximo botijão de gás, é só incerteza se seguirá atendida com subsídio.
Relatos sobre o medo de ser cortado do programa social, a preocupação de que seja reduzido o valor do benefício ou de que simplesmente ele deixe de existir se espalham por famílias do Nordeste que são beneficiárias do Bolsa Família.
Com a extinção do programa após 18 anos, o temor de ficar de fora do substituto Auxílio Brasil -cuja fonte de receita ainda é incerta- tem levado centenas de pessoas a dormir nas filas dos postos do Cadastro Único de Salvador para atualizar seus dados.
O cadastro é a entrada para o rebatizado programa de transferência de renda do governo Jair Bolsonaro, mas cabe às prefeituras fazer a inscrição, motivo pelo qual o atendimento na sede da Sempre (Secretaria de Promoção Social) saltou de 200 para até 1.200 pessoas na capital baiana.
O atendimento na Sempre, um dos sete postos físicos na cidade, começa às 8h, mas os relatos de quem madruga ou chega na noite anterior se multiplicam ao longo da fila -que se estende por 350 metros- desde o anúncio do fim do Bolsa Família, no mês passado.
Embora a migração dos beneficiários do Bolsa Família seja automática, a autônoma Roselane Silva, 29, preferiu não arriscar. Nesta quarta-feira (10), ela encarou a fila pelo segundo dia consecutivo.
Mãe de uma criança, recebe R$ 130 do Bolsa Família desde 2015, mas não quis esperar a data agendada pela internet para manter seu cadastro ativo.
Saiu por volta das 2h30 do bairro Pirajá, a 11 quilômetros de distância, para atualizar os dados no CadÚnico e assegurar o auxílio.
"Eu só sei que vai pagar R$ 400 para quem está incluso no Bolsa Família, mas ainda tem que ver se o governo [federal] vai ter esse dinheiro mesmo", disse, em menção à dependência da aprovação pelo Congresso da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita gastos com precatórios.
Com o pequeno Caíque, de apenas um mês, no colo, a desempregada Camila de Jesus, 26, pegou um ônibus às 4h, para percorrer 13 km de Pituaçu ao bairro do Comércio, onde fica a Sempre, com o objetivo de desvincular o nome dela ao Bolsa Família da mãe para poder entrar no Auxílio Brasil.
A família -Camila, três filhos e a mãe- recebia R$ 89 por mês do Bolsa Família. Desempregadas, mãe e filha fazem bicos para tentar pagar o aluguel de R$ 350 e sobrevivem com doações.
"Minha vontade mesmo era não precisar estar aqui, mas ter um emprego que me desse dignidade", disse a portadora da senha 187, na fila de prioridade. "Se não tiver auxílio nem Bolsa Família, não sei como vou sustentar meus três filhos".
Sem tomar café da manhã há dois dias, o açougueiro desempregado Amilson de Jesus, 52, estava com o CadÚnico em dia, mas seguiu para fazer a atualização. Sem dinheiro para o transporte, chegou ao posto de atendimento graças à benevolência de um motorista de ônibus.
"Estou passando fome em casa. Minha esperança é esse auxílio sair, pois, desde que fui atropelado, em 2011, fiquei com a perna comprometida e não consigo trabalhar", lamentou o homem, que mora de favor na casa da ex-cunhada, irmã da falecida mulher.
No Recife, o cenário não é diferente. No caso de Laudiceia Santos, moradora da comunidade Roda de Fogo, a apreensão faz a sua família ficar na incerteza sobre a renda que terá pela frente.
Ela trabalhava com faxinas em casas de família, mas com a pandemia de Covid-19 o serviço minguou. Até então, ela recebia R$ 89 mensais do Bolsa Família.
Com o auxílio emergencial da pandemia, o valor subiu para R$ 600 e depois para R$ 250, na segunda fase do programa.
Laudiceia fica espera receber R$ 89, equivalente ao Bolsa Família de antes da pandemia, ou um valor maior. "Eu só sei o que a gente vê pela televisão, mas não sei nem quando vou receber", diz a faxineira.
"Cada hora é uma coisa, uma hora diz que é R$ 400, outra hora é R$ 140 ou R$ 220. Ficamos na incerteza, com o coração apertadinho, porque estamos sobrevivendo praticamente desse dinheiro".
A outra fonte de renda que tem são os R$ 500 que recebe da família do marido -também informal e sem atividade fixa- para cuidar da sogra.
Os benefícios ajudam nos gastos com alimentação, gás de cozinha e transporte, e também ganha cesta básica, mas considera os valores insuficientes.
"Agora meu gás está no finalzinho já, estou pedindo a Deus que coloque a mão ali e segure, porque não tem dinheiro para comprar outro botijão. A gente vai se virando, cozinha muito de uma vez, coloca logo o quilo de feijão, para não ficar ligando o fogão, porque para esquentar é mais rápido", diz.
Em Fortaleza, a notícia da extinção do Bolsa Família causou preocupação na casa de Rosimeire Custódio, 55, no bairro Barroso.
Vivendo com apenas R$ 91 do programa, ela fez promessa para que no dia 28 consiga sacar o dinheiro do Auxílio Brasil.
"Estou rezando todos os dias para que não cancelem esse dinheiro. Eu sei que é pouco, mas sem ele vai piorar ainda mais. Se eu começar a receber esses R$ 400, vai ajudar muito", conta.
Com uma doença rara nos ossos, Rosimeire precisa tomar entre 10 e 15 comprimidos por dia. A medicação, que custa em média R$ 600, é comprada por familiares.
O pouco que sabe do Auxílio Brasil vem das conversas com os vizinhos e do que assiste na TV. "Eu só sei que Bolsonaro vai fazer um pente-fino, e quem tem mais filhos vai ter prioridade", fala.
As idas à unidade de assistência social do Conjunto Esperança ficaram frequentes na vida de Carina Oliveira, 34. Todas as manhãs, de segunda a sexta, leva Caio, 7, e Rodrigo, 5, para tomar mingau no local.
A refeição, dada por volta das 8h, foi a única de Carina no dia anterior. Os filhos fizeram as demais refeições na escola.
Na manhã da última quinta-feira (11), a ida ao local ganhou um novo motivo. Após ouvir de uma amiga que precisaria atualizar o CadÚnico, madrugou na fila por medo de perder o novo benefício. "Não tenho o direito de perder mais nada".
Mãe solo, ficou desempregada no início da pandemia e foi inscrita no Bolsa Família apenas em janeiro deste ano. Os R$ 218 do programa são a única renda da família, que vive em uma casa de dois cômodos cedida pelo pai de Carina.
Mesmo com a prefeitura citando a não obrigatoriedade de atualização ou recadastramento dos dados, Carina acha que o dinheiro do novo auxílio não chegará rapidamente ao bolso da população.
"A gente fica com um pé atrás. Quando envolve dinheiro assim, sempre o governo diz uma desculpa depois. E se eu perder o benefício, como fica? Vou viver de quê?".
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