Discreta e desbocada, Marisa Letícia nunca quis protagonismo na política - David Gouveia Notícias

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04/02/2017

Discreta e desbocada, Marisa Letícia nunca quis protagonismo na política

Marisa Letícia Lula da Silva tirou dos pés o tamanco vermelho que usava desde cedo e sentou-se, no chão, ao lado de Lula. Era um hábito, os dois sempre viam TV assim.
 
Mas o dia não era um dia qualquer. Naquele 27 de outubro de 2002, Marisa se aconchegou ao lado do marido para ouvir o anúncio de que ele havia sido eleito presidente da República.

Com a cabeça apoiada no ombro do petista, assistia à narração da trajetória política de Lula quando se irritou e decidiu "interromper" o repórter que lembrava que ele havia perdido a eleição para o governo de São Paulo, em 1982. "Ele ganhou, caramba! Como perdeu? Ele não era ninguém."

O temperamento forte e o sangue quente eram a marca da ex-primeira-dama. Os amigos mais próximos de Lula diziam que era a "galega", apelido que ganhou pelos cabelos claros e olhos azuis, quem mandava na casa do ex-presidente.

Marisa era discreta, mas bastante direta e enérgica quando opinava. Assumia-se uma mulher ciumenta, mas, para todos os efeitos, "relaxou com os anos", já que Lula, brincava, chegava em casa todo o dia "com a camisa de batom".

As brigas, inclusive, renderam ao ex-presidente noites dormidas no sofá do apartamento que os dois ocupavam na avenida Prestes Maia, em São Bernardo do Campo (SP).

Neta de imigrantes italianos que se instalaram na cidade no início do século, Marisa costumava brincar com os filhos sobre o berço político de Lula, com quem foi casada por quase 43 anos.

"Nem seu pai é de São Bernardo. Eu sou daqui, mas ele não é", dizia, aos risos, justificando que era ela quem podia reivindicar o posto de operária do ABC, não o marido.


Marisa nasceu em uma casa de pau-a-pique, com chão de terra batida, em um sítio de São Bernardo, quando a cidade era um enorme matagal que ainda seria ocupado pelas montadoras.

Dormia em colchão de palha e assistia à mãe, Regina Rocco Casa, benzedeira da região, receber crianças em casa para tirar o "quebranto" -olho gordo ou inveja, coisa em que Marisa Letícia sempre acreditou.


Aos 13 anos, começou a trabalhar na fábrica de chocolates Dulcora, onde embalava bombons. Precisou da autorização do pai, Antonio João Casa, que já havia permitido que ela trabalhasse como babá três anos antes.

Marisa foi também precoce no casamento. Aos 19 anos, uniu-se com o taxista Marcos Cláudio. Sete meses depois, ainda grávida de seu primeiro filho, ficou viúva. O marido fora assassinado a tiros numa tentativa de assalto.


Em 1973, conheceu Lula, ou "Lu", como chamava o ex-presidente. Foi até o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo buscar um carimbo para retirar sua pensão e viu o petista deixar cair, de propósito, sua carteira de sindicalizado, para mostrar que era igualmente viúvo.

Amigos da época contam que o petista, inclusive, demorou a liberar a documentação daquela jovem, que precisou voltar diversas vezes ao sindicato, estranhando o excesso de burocracia. Menos de um ano depois, estavam casados.

Apesar do pulso firme, Marisa é lembrada pelos aliados de Lula como uma pessoa afetiva, discreta e de muito bom humor, com cuidado minucioso com os filhos Marcos, do primeiro casamento, Fábio, Sandro e Luís Cláudio, frutos da união com Lula.

NADA MUDA


Marisa nunca gostou de ter empregados. Era ela quem cuidava das contas e da arrumação da casa. Seu passatempo favorito eram as plantas.

Quando se tornou primeira-dama, porém, petistas acreditavam que ela poderia atuar em projetos sociais do governo, já que foi figura importante na fundação do PT, muitas vezes abordando pessoas na rua, com fichas de inscrição na mão, convencendo-as de que era importante montar um partido dos trabalhadores.


O empenho era tanto que há uma lenda dentro da sigla de que foi Marisa quem costurou a estrela da primeira bandeira do PT.

Mas nesse quesito, dizem petistas, a "galega" decepcionou. Nos oito anos de governo do marido, de 2003 a 2010, não se envolveu diretamente com nenhum projeto, como havia prometido, e teve papel bastante apagado, com aparições ao lado de Lula apenas em eventos e solenidades. Não falava publicamente.

A repulsa ao público era sabida. Detestava "ficar fugindo de jornalistas" e prometia não mudar "nada" caso Lula fosse eleito presidente da República.

"Não vou ficar tomando chá das cinco com as madames da LBA (Legião Brasileira da Assistência)", disse Marisa em entrevista à Folha de S.Paulo durante a campanha presidencial de 1989, disputa que Lula perdeu para Fernando Collor.

Quem é próximo do casal diz que Marisa realmente não mudou. Continuou discreta, mas desbocada.

Em março do ano passado, o vazamento do áudio de uma conversa entre ela e o filho Fábio trouxe a personalidade da ex-primeira-dama mais uma vez aos holofotes.

Marisa chamava de "coxinhas" os manifestantes que bateram panelas durante um pronunciamento de Lula na TV e dizia que eles deveriam "enfiar a panela no cu".

A postura de militante também encontrou abrigo na crise do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com quem Marisa nunca teve boa relação. A ex-primeira-dama costumava dizer que Dilma era responsável pelo desgaste da imagem do PT e reclamou, diversas vezes, que a então presidente não defendia Lula publicamente quando a Lava Jato começou a avançar sobre a família do petista.

Marisa Letícia foi investigada ao lado de Lula na aquisição e reforma de um apartamento tríplex, no Guarujá (SP), pela qual respondia processo.

Ela também é mencionada nas investigações relacionadas à reforma de um sítio, em Atibaia (SP), utilizado pela família do ex-presidente. É apontada por pessoas próximas como quem pediu -e comandou- as obras bancadas por empreiteiras.

Na política, porém, Marisa não queria ser protagonista. Naquele 27 de outubro de 2002, esperou o marido receber os abraços de seus aliados para, só então, ir a seu encontro e dizer a frase que foi repetida exaustivamente pelo petista eleito pela primeira vez presidente: "Valeu o sacrifício. Chegamos!".

 Por Folhapress | Fotos: Ricardo Stuckert

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