Herácliton na porta do Tribunal de Justiça: denúncia após ser proibido de entrar em fórum com gorro litúrgico (Foto: Marina Silva) |
Para o estudante universitário Herácliton dos
Santos Barbosa, 20 anos, o eketê, gorro litúrgico utilizado por homens
que seguem algumas religiões de matriz africana no Brasil, é um elemento
de proteção. “Protege o camutuê, orì, cabeça, enquanto espaço de
morada dos nossos ancestrais divinos de forças sobrenaturais”, explica o
rapaz, adepto do candomblé desde os primeiros anos de vida.
Mas no último dia 17 (terça-feira), o adereço que
para Barbosa tem um significado religioso se tornou um problema. Ele foi
impedido de entrar no Fórum Odilon Santos, comarca de Santo Amaro da
Purificação, no Recôncavo, porque usava o gorro.
Faltava
pouco para as 9h quando Táta Luangomina, nome que Barbosa recebe no
candomblé, chegou ao local. A ida até lá era para abrir firma e
autenticar declarações para o contrato de locação de um imóvel. Os
documentos serviriam para prestar contas dos auxílios que recebe
mensalmente da Universidade da Integração da Lusofonia Afro Brasileira
(Unilab), onde estuda o quarto semestre do bacharelado em Humanidades.
Foi impedido ainda na entrada.
“Ao
chegar ao fórum, fui notificado pelo porteiro de que eu tinha que
retirar o meu gorro, que é um adereço litúrgico. Vi que existia um aviso
em uma placa vermelha, informando que era proibida a entrada no local
usando blusa, camiseta, saia, short e boné”, anotou o rapaz, que
continua o relato: “Informei para ele que iria tirar o meu eketê para
mostrá-lo que não tinha nenhuma arma, droga ou câmera escondida, mas que
o gorro fazia parte da indumentária da minha religião e que por isso eu
não permaneceria sem ele”. Após isso, Barbosa conta ter sido retirado
do Fórum à força, por se recusar a permanecer sem o gorro.
Não
adiantou dizer que o adereço era parte da indumentária da sua religião.
Um policial, orientado pela juíza Elque Figueiredo, teria expulsado o
rapaz. “Nesse instante, pedi para falar com a juíza que havia emitido a
ordem para saber dela o porquê de eu não poder ficar no Fórum usando meu
eketê, e para explicar a ela o significado do uso do gorro na minha
religião”, relata. Foi quando, segundo Herácliton, ele puxou o gorro da
cabeça, “ sem meu consentimento, me pegou pelos braços e pelo pescoço, e
saiu me arrastando”, relembra.
Procurada para comentar a denúncia, a juíza Elque
Figueiredo, diretora do Fórum Odilon Santos, não foi localizada. Em
nota, a assessoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) informou que
“o vestuário é um dos elementos integrantes a conferir solenidade no
atuar na esfera do Poder Judiciário” e que “todos os atores da cena
judiciária devem adotar a postura de estarem convenientemente trajados e
terem compostura e atitude compatível com o ambiente”.
Após a expulsão, Barbosa registrou um boletim de
ocorrência na Delegacia de Santo Amaro, onde alega ter sido constrangido
pelo médico legista. “Ao receber esse protocolo (do B.O.), solicitei
que fosse realizado o exame de corpo de delito. Durante o exame, o
médico me perguntou se eu tinha alguma marca no corpo ou algum
ferimento. Respondi que não e questionei se o exame seria feito apenas a
olho nu”, relembrou.
A seguir, conta que o legista o interrompeu
“falando grosso, dizendo que o procedimento com ele é assim”. Nesta
terça (31) pela manhã, Bastos foi até a Corregedoria do Tribunal de
Justiça protocolar uma denúncia. No local, segundo ele, foi orientado a
encaminhar e-mail relatando o caso para que as providências cabíveis
fossem tomadas.
Antes, o rapaz já tinha buscado ajuda no Centro de
Referência Nelson Mandela, da Secretaria Estadual de Promoção da
Igualdade Racial, onde foi instruído a recorrer à Corregedoria do TJ-BA.
Além do tribunal, por meio de carta de denúncia, o Ministério Público
Federal também foi comunicado do caso. Por telefone, a assessoria do MPF
informou que o caso deverá ser analisado por um promotor na próxima
semana.
(Correio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário