Apesar de o país ser referência em políticas públicas contra a doença, número de casos cresceu 11% entre 2005 e 2013
Considerado vitrine em políticas de combate à Aids, o Brasil vem
sofrendo um revés na estratégia que se tornou exemplo internacional. O
sinal de alerta está nos dados divulgados ontem pela Unaids, programa
das Nações Unidas sobre HIV e Aids, que apontaram um aumento de 11% no
número de novos casos no Brasil entre 2005 e 2013. No mesmo período,
houve queda expressiva no mundo, de 27,5%, puxada sobretudo por países
do Caribe e da África Subsaariana (veja arte).
O risco de uma nova epidemia de Aids no país, que registrou 7% a mais de
mortes no ano passado em relação a 2005, enquanto no mundo os óbitos
caíram 38%, leva governo e pesquisadores da área a reavaliar o programa
nacional de combate à doença. Criado ainda na década de 1980, a
estratégia de ofertar tratamento e, ao mesmo tempo, trabalhar a
prevenção rendeu ao Brasil diminuição tanto no número de novas infecções
quanto na mortalidade. Essa tendência, entretanto, começou a mudar a
partir de meados dos anos 2000.
Especialistas temem o risco de nova epidemia do HIV no país. A maior
parte das atuais vítimas brasileiras do vírus são jovens homossexuais.
Isso se justificaria pelo fato de eles não terem vivido o começo da
forte campanha de prevenção à Aids na época nem visto a morte de ídolos
como Cazuza e Freddie Mercury. O relatório da Unaids também aponta
elevação no número de casos na América do Norte e na Europa Ocidental,
que registraram acréscimo de 8% no mesmo período
Para Georgiana Braga Orillard, diretora da Unaids no Brasil, dois
fatores explicam a mudança no cenário brasileiro. “Há o jovem que não
viu o começo da epidemia. Não viu os ídolos morrendo, não conheceu
Cazuza, Freddie Mercury, Renato Russo. E os novos casos estão
concentrados exatamente no jovem homossexual. Aí vem o segundo desafio.
Temos de combater a discriminação que traz dificuldade para essa
população jovem exercer a sexualidade de maneira segura”, afirma
Georgiana.
O relatório da Unaids mostra elevação no número de novos casos também em
outros locais, como América do Norte e Europa Ocidental, que
registraram acréscimo de 8% no período analisado. O fenômeno ocorre
também em alguns países vizinhos do Brasil. A Argentina diagnosticou 5,2
mil pessoas com HIV em 2013, contra 4,8 mil em 2005. O levantamento
aponta grupos mais vulneráveis no Brasil e no mundo, tais como usuários
de drogas injetáveis, homens homossexuais e profissionais do sexo.
Grupo de risco
Roberto (nome fictício), 60 anos e
diagnosticado com HIV há 21, reconhece o comportamento arriscado. Nem
mesmo ter conhecido a epidemia no início o livrou da doença. “Sou da
época do Cazuza, de quando ele descobriu a doença. Já se falava em Aids,
mas não existia campanha como agora. O governo não dava preservativo
como hoje”, compara. “Eu era de risco realmente. Não tem como negar.
Estava envolvido com prostituição, drogas e essa coisa toda.”
Usuários de entorpecentes, homens que fazem sexo com outros homens e
profissionais do sexo são justamente o maior desafio do país. “O Brasil,
como os Estados Unidos e a Europa, lida com a chamada epidemia
concentrada. Temos populações de risco que são de acesso mais difícil”,
justificou o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde,
Jarbas Barbosa. No Brasil, o secretário acredita que a maior incidência
seja entre homens jovens e gays.
Ele também defende que o país não perdeu o status de referência nas
estratégias contra a doença. “Nunca fomos exemplo em números de casos,
mas por adotar políticas inovadoras”, disse. Apesar disso, o secretário
afirma não ser uma situação confortável. “Por isso, a gente tem se
preocupado em buscar tudo que pode ser feito no sentido de responder
melhor a esse quadro, unindo tratamento e diagnóstico”, acrescentou.
Desde dezembro do ano passado, toda pessoa diagnosticada como
soropositiva é automaticamente encaminhada para o tratamento. Com o novo
protocolo, de acordo com o secretário, de janeiro a junho deste ano, 35
mil novos pacientes deram início ao acompanhamento.
Alexandre Grangeiro, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP e ex-diretor do Programa Nacional de DST/Aids
O Brasil, com incremento de novos casos de Aids, está retrocedendo na política tão aclamada?
Depois
da introdução dos antirretrovirais no Brasil, em 1996, houve uma
redução sistemática de óbitos e de novos casos, até o começo dos anos
2000. Isso porque as pessoas passaram a viver mais devido à diminuição
da possibilidade de transmitir o vírus quando se está em tratamento.
Então, a hipótese é de que o mundo, que só ampliou o acesso à medicação
depois do Brasil, está um passo atrás da gente, experimentando reduções
pelas quais já passamos. A pergunta agora é: após essa redução, o mundo
vai se comportar como o Brasil, que agora está registrando aumento de
novos casos?
Mas o que explica a nossa realidade?
Temos
três problemas já identificados em pesquisas. Primeiro, é a redução das
práticas mais seguras, como o uso do preservativo. Outra questão
importante é as pessoas não saberem que têm HIV. Demoram a iniciar o
tratamento e transmitem mais o vírus. Um terceiro problema está nas
pessoas que, embora conheçam o próprio diagnóstico, não estão em
tratamento.
Sendo gratuito, por que as pessoas não fazem o tratamento? Há problemas na assistência ou na oferta de remédios?
O
aumento do número de pessoas vivendo com HIV não foi acompanhado por
uma expansão nos serviços de atendimento, especialmente nos centros de
referência. Hoje, a marcação de consulta é mais demorada, por exemplo.
Isso leva o paciente a se deslocar para unidades não tão boas e, por
fim, desestimula a adesão ao tratamento. Sem dúvida, os problemas na
assistência têm relação com esses dados divulgados agora. Já a
disponibilidade dos antirretrovirais é bem regular no país. Há falhas
pontuais, mas que não explicariam esses números.
(Fonte:sites.uai.com.br)
17 de julho de 2014
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Brasil sofre revés no combate à Aids: juventude é um dos principais gargalos para o controle
Brasil sofre revés no combate à Aids: juventude é um dos principais gargalos para o controle
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