Em depoimento prestado na Justiça
Federal de Brasília por uma hora nesta terça-feira (14), o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva se disse vítima "quase que de um massacre",
que está cansado de ouvir rumores sobre sua prisão e negou ter
interferido na delação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Lula se preparou longamente para passar
pelo seu primeiro interrogatório como réu em um processo aberto desde o
início da Lava Jato. Mas, quando entrou na sala de audiência da 10ª Vara
Federal de Brasília, às 10h11 desta terça, o ex-presidente parecia
bastante nervoso.
Vestindo terno escuro, camisa lilás e sua
habitual gravata com as cores da bandeira do Brasil, Lula tirava e
colocava a tampa da caneta azul que estava nas suas mãos, passava a
língua sobre os lábios secos e penteava o bigode com o dedo indicador
direito. Quem o conhece sabe que esses são sinais particulares do
nervosismo do petista.
Logo nos primeiros minutos do depoimento,
Lula fez um desabafo e afirmou que acordava todos os dias com medo de
jornalistas estarem na porta de seu apartamento, em São Bernardo do
Campo (SP), esperando sua prisão.
"Você sabe o que que é levantar todo dia
achando que a imprensa está na porta de casa porque eu vou ser preso? É
porque não sei quem delatou, 'o Lula vai ser preso'. Eu tenho dito,
antes, durante e depois, os [acusados] que estão presos e os que vão ser
presos, que tenha um empresário, um político que tenha coragem de dizer
que um dia me deu R$ 3, que tenha coragem de dizer que um dia o Lula
pediu cinco centavos para ele", disse Lula ao juiz Ricardo Augusto
Soares Leite.
Segundo o ex-presidente, há uma
"perseguição" contra ele nas investigações que apuram o esquema de
corrupção da Petrobras e há alguém "instigando" que delatores falem seu
nome nos acordos de colaboração com a força-tarefa da Lava Jato.
"Por tudo o que eu vejo na imprensa, eu
acho que tem alguém instigando [delatores] para falar do meu nome. Fico
sabendo dos blogs, colunistas, 'cita o nome do Lula, cita o nome do
Lula'."
O ex-presidente pediu ainda ao juiz que sejam apresentadas "provas" de supostos crimes cometidos.
"Chamar o PT de organização criminosa. Se
dependesse de mim, cada parlamentar abriria um processo para provar
qual é a quadrilha. Eu estou cansado, 71 anos de vida, eu cansei. As
instituições que eu ajudei a valorizar [são agora] desprestigiadas por
comportamento pessoal."
Lula também ironizou o comportamento do
ex-senador Delcídio do Amaral, que concedeu diversas entrevistas após
ter assinado um acordo de delação premiada na Lava Jato.
"Parecia que ele tinha recebido o 'Prêmio
Nobel da Delação'. Ele foi no [programa de TV] 'Roda Viva'. Depois que
faz a bobagem que faz, se é que fez, ele queria jogar no colo de
alguém", disse Lula.
Sem citar o nome do presidente Michel
Temer, Lula também brincou sobre a baixa popularidade do peemedebista.
"O presidente não tem coragem de ir na Bolívia. O país que era motivo de
alegria."
No início da audiência, Lula foi
questionado sobre sua profissão: "torneiro mecânico", retrucou. E, sobre
sua renda líquida mensal, disse que recebe aposentadoria, no valor de
"uns R$ 6 mil", mais benefícios de sua mulher, Marisa Letícia, que
morreu no mês passado, em decorrência de um AVC.
"Acho que pode botar uns R$ 50 mil, estou
tentando chutar", disse Lula. "Depois, meu advogado manda para os
senhores direitinho".
Lula estava acompanhado dos advogados
José Roberto Batochio, ex-presidente nacional da OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), além de Roberto Teixeira, Cristiano Zanin e
Sigmaringa Seixas. O juiz proibiu fotografar ou filmar o réu na sala de
audiências e na sala em que a imprensa acompanhava o depoimento por dois
monitores de vídeo.
Questionado sobre o andamento da Lava
Jato e supostas conversas que poderiam ter o objetivo de influenciar nas
investigações, Lula afirmou: "Da Lava Jato, falamos no café da manhã,
no almoço, no jantar e, às vezes, até depois da novela", afirmou o
ex-presidente.
Lula se tornou alvo do processo no qual
prestou depoimento nesta terça após ser citado pelo ex-senador Delcídio
do Amaral (ex-PT-MS) e do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, em
acordos de delação premiada. Ele é acusado de tentar dissuadir Cerveró
de fechar a colaboração com a Justiça.
'DEPOIMENTO' — Após os primeiros 20 minutos de depoimento, Lula parecia um pouco mais tranquilo.
Fez discurso político, disse que, com seu
governo, o Brasil chegou "quase" a ser a quinta economia do mundo e que
conversa e é "amigo" de "todos os partidos políticos".
No fim do depoimento, Lula se emocionou
ao relatar episódio em que um juiz de São Paulo riu quando um advogado
chamou o ex-presidente de "doutor", justificando que o petista tinha o
título de "honoris causa" (notório saber).
"Eu quero defender a minha honra, é o
valor mais importante que eu tenho", disse Lula. "Eu aprendi a andar de
cabeça erguida. Para quem nasce na elite, não precisa de nada. Mas quem
vem debaixo, não deixar colocar 'cangalho' no seu pescoço, não é fácil",
disse o ex-presidente.
Durante o depoimento, o ex-presidente
disse que é "vítima quase que de um massacre" no caso Lava Jato. Ele
negou a acusação de Delcídio de que teria tentado interferir na delação
de Cerveró. "Os dados são falsos", disse Lula.
O ex-presidente afirmou que não temia uma delação de Cerveró.
"Doutor [juiz], só tem um brasileiro que
podia ter medo de um depoimento do Cerveró, pela relação dele, que é o
Delcídio. Eu não tinha relação com o Cerveró. Eu não tive medo. O
Delcídio contou uma inverdade nesse processo", disse Lula.
Indagado sobre se a motivação de Delcídio
em dizer uma suposta mentira, Lula disse que pode ter sido por tê-lo
chamado de "imbecil" quando veio à tona a gravação em que o então
senador disse que iria procurar ministros do STF (Supremo Tribunal
Federal) para tentar soltar Cerveró.
"Não sei o que o Delcídio resolveu fazer
com isso [delação], certamente depois de presos alguns dias, a pessoa
resolve jogar a culpa nos outros. Eu tive uma reação que eu sei que ele
não gostou. [Disse na época] 'Esse cara é um imbecil, nem na morte você
citaria um ministro da suprema corte'. Ele ficou chateado porque eu o
chamei de imbecil", afirmou o ex-presidente.
Questionado sobre se discutiu o caso Lava
Jato com Delcídio, Lula confirmou ter mantido diversas reuniões com
ele, mas não para pedir um plano que livrasse Cerveró da prisão.
ACUSAÇÕES — É a primeira
vez que Lula é ouvido como réu desde o início da Lava Jato, em março de
2014. Além desse caso, ele é réu em mais duas ações penais na 10ª Vara
de Brasília e em outras duas em Curitiba (PR), na vara do juiz federal
Sergio Moro.
O ex-presidente é acusado de infringir o
artigo 2º da lei 12.850/2013 ("promover, constituir, financiar ou
integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização
criminosa"), no parágrafo 1º ("nas mesmas penas incorre quem impede ou,
de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa").
A pena prevista para o crime é de 3 a 8 anos de reclusão, mais multa.
Lula se tornou alvo do processo após ser
citado em depoimentos prestados pelo ex-senador Delcídio Amaral
(ex-PT-MS) e Cerveró em acordos de delação premiada.
Em abril do ano passado, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez ao STF (Supremo
Tribunal Federal) um aditamento à denúncia original que ele havia
apresentado em dezembro de 2015, para incluir na acusação Lula, seu
amigo e pecuarista José Carlos Bumlai e o filho do fazendeiro, Maurício
Bumlai.
A primeira denúncia tinha como alvos
Delcídio, o banqueiro André Esteves, o advogado Edson de Siqueira
Ribeiro e o assessor de Delcídio, Diogo Ferreira Rodrigues. Com a
cassação do mandato de Delcídio pelo Senado, o processo foi distribuído à
Justiça Federal de Brasília.
Segundo Delcídio, que era líder do PT no
Senado, o ex-presidente Lula manifestou em uma reunião em 2015 "grande
preocupação com a situação de José Carlos Bumlai em relação às
investigações da Lava Jato", pois temia que o fazendeiro fosse preso "em
razão das colaborações premiadas que estavam vindo à tona", em especial
a de Cerveró e a do lobista Fernando Baiano.
Depois dessa conversa, sempre segundo
Delcídio, o parlamentar chamou o filho de Bumlai, Maurício, também em
maio, para "transmitir o recado e as preocupações de Lula". Delcídio
também disse ter comentado o problema da "situação financeira da família
de Cerveró".
O ex-senador disse à PGR que "pode dizer
que o pedido de Lula para auxiliar Bumlai, no contexto de 'segurar' as
delações de Nestor Cerveró, certamente visaria o silêncio deste último e
o custeio financeiro de sua respectiva família, fato que era de
interesse de Lula".
Delcídio afirmou que, depois da conversa
com Maurício, os Bumlai fizeram à família Cerveró cinco pagamentos, em
parcelas de R$ 50 mil cada uma, de maio a setembro de 2015.
No final daquele ano, porém, o filho de
Cerveró, Bernardo, contatou a Procuradoria e relatou o plano para calar o
seu pai. Delcídio foi preso e depois se tornou colaborador.
A investigação conseguiu comprovar que
Lula se reuniu com Delcídio, no Instituto Lula, em 8 de maio de 2015,
mais duas vezes em abril, uma em junho e outra em agosto, "precisamente
no curso das tratativas da compra do silêncio de Cerveró", diz a
Procuradoria.
A PGR também apontou que logo após a
reunião de maio, Lula e Bumlai conversaram "diversas" vezes. Em 23 de
maio de 2015, um dia após o pagamento da primeira parcela de R$ 50 mil
aos Cerveró, conforme a PGR, Lula e Bumlai falaram ao telefone por duas
vezes.
OUTRO LADO — No decorrer
da apuração aberta pela PGR, Lula foi ouvido pelos investigadores. Ele
reconheceu sua amizade com Bumlai e confirmou que se reuniu com Delcídio
para discutir "aspectos da Operação Lava Jato porque este [Delcídio]
tinha preocupação com as pessoas que estavam presas", mas negou ter
ordenado ou tido conhecimento de pagamentos à família Cerveró.
Lula
disse ainda que "não conversou com ninguém e nem tinha razão para
conversar" sobre o anúncio de que Cerveró havia feito um acordo de
colaboração premiada na Lava Jato.
Em depoimento à PGR no dia 7 de abril de
2016, Lula afirmou que era "mentira" a versão de Delcídio de que eles
discutiram a delação de Nestor Cerveró e também negou ter mantido
conversas com Bumlai sobre "a possibilidade de prisão" do fazendeiro.
Os dois Bumlai também negaram participação na compra do silêncio de Cerveró.
Por Folhapress
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