Cemitério encontrado em estacionamento de Salvador pode abrigar mais de 100 mil corpos de escravizados - David Gouveia Notícias

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28 de outubro de 2025

Cemitério encontrado em estacionamento de Salvador pode abrigar mais de 100 mil corpos de escravizados

Terreno foi identificado como o antigo Cemitério dos Pretos Novos da Pupileira, espaço utilizado entre os séculos 18 e 19

UFBA

O estacionamento da Pupileira, na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, pode estar localizado sobre o maior cemitério de escravizados da América Latina. Segundo o Ministério Público da Bahia (MP-BA), uma pesquisa arqueológica revelou que mais de 100 mil pessoas foram enterradas no local, em condições precárias e sem rituais religiosos.

Os resultados foram apresentados em uma reunião no dia 21 de outubro, com a presença de representantes do MP-BA, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Fundação Gregório de Matos (FGM) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac).

A descoberta reforça o peso histórico e social da área, situada no coração da capital baiana. O terreno, que hoje serve como estacionamento, foi identificado como o antigo Cemitério dos Pretos Novos da Pupileira, espaço utilizado entre os séculos 18 e 19 para enterrar pessoas escravizadas, indígenas, ciganos e outros grupos marginalizados que não tinham condições de pagar por um sepultamento digno. As informações são do Correio.

Descoberta surgiu de pesquisa acadêmica
O cemitério foi identificado pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, em sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ao comparar mapas históricos de Salvador com imagens de satélite, ela percebeu que o terreno da Pupileira coincidia com a localização de um antigo cemitério administrado pela Câmara Municipal e, posteriormente, pela Santa Casa.

Mapas antigos ajudaram na localização de cemitério de escravizados do século 18 – (Foto: Silvana Olivieri)

As escavações começaram no dia 14 de maio de 2024, e já no terceiro dia os arqueólogos encontraram fragmentos de porcelanas e objetos do século 19. Cerca de dez dias depois, surgiram as primeiras ossadas humanas — evidências que confirmaram as hipóteses levantadas por Silvana. “Trata-se de um espaço de memória apagada da cidade, onde milhares de vidas foram enterradas sem registro, sem cerimônia, sem nome”, relatou a pesquisadora.

Escavações revelam indícios do século 19

Mesmo após a descoberta, o terreno continua sendo utilizado como estacionamento. O MP-BA informou que o Iphan recomendou a suspensão imediata do uso do espaço, para que as pesquisas possam prosseguir sem interferências. Silvana Olivieri também solicitou formalmente ao órgão o reconhecimento do local como Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos, o que garantiria sua preservação e valorização como patrimônio histórico e cultural da cidade.

Os registros históricos analisados pela pesquisadora indicam que o cemitério funcionou por cerca de 150 anos, até 1844, quando a Santa Casa passou a operar o Cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação. Durante esse período, corpos eram enterrados em valas comuns e superficiais, sem qualquer cerimônia religiosa.

Local guarda vestígios da escravidão e revoltas populares

A pesquisa mostra que a maioria das pessoas enterradas eram africanos escravizados, mas também havia indígenas, ciganos e pessoas pobres. Há ainda indícios de que participantes da Revolta dos Malês, da Conjuração Baiana (ou Revolta dos Búzios) e da Revolução Pernambucana possam ter sido sepultados no local, o que reforça o caráter simbólico e político do espaço.

A análise documental incluiu mapas e plantas do século 18, artigos de historiadores como Braz do Amaral (1917) e Consuelo Pondé de Sena (1981), além de um livro de 1862 escrito por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa. Esses documentos foram fundamentais para localizar e confirmar a existência do cemitério.

MP-BA cobra medidas de preservação

Em nota, o Ministério Público da Bahia destacou que o achado representa “um marco para a história afro-brasileira e para a memória coletiva de Salvador”. O órgão deve acompanhar o processo de tombamento e a destinação do espaço, que pode se transformar em um memorial da escravidão.

O caso reacende o debate sobre como a capital baiana — primeira do Brasil e epicentro do tráfico de pessoas escravizadas no país — tem lidado com os vestígios de sua história colonial. O reconhecimento do local como sítio arqueológico seria um passo fundamental para resgatar a memória de milhares de pessoas que tiveram suas vidas apagadas pela escravidão.

Com mais de 100 mil corpos identificados até o momento pelas estimativas iniciais, o Cemitério dos Africanos da Pupileira se torna um dos principais achados arqueológicos do país, revelando um capítulo sombrio e, ao mesmo tempo, essencial da formação histórica de Salvador e do Brasil.

FONTE:muitainformacao

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