O Tribunal Regional Federal da 4ª Região vai analisar, através das
provas juntadas na construção da sentença contra o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), de 238 páginas e 962 tópicos do juiz Sergio
Moro, da 13ª Vara de Justiça Federal.
A sentença foi baseada na suposta propriedade do apartamento 164-A, no
condomínio Solaris, no Guarujá (litoral de São Paulo), cujas
benfeitorias feitas pelo Grupo OAS são colocadas por Moro como principal
prova de benefício de Lula pela construtora. O ex-presidente, no
entanto, não tem escritura do imóvel em seu nome, e sim uma carta de
intenção e um documento sem assinatura. "Não se está, enfim, discutindo
questões de direito civil, ou seja, a titularidade formal do imóvel, mas
questão criminal, a caracterização ou não de crimes de corrupção e
lavagem. Não se deve nunca esquecer que é de corrupção e lavagem de
dinheiro do que se trata", diz Moro na sentença. O juiz determinou o
confisco do tríplex.
O uso das declarações de Léo Pinheiro, que mudou o depoimento em abril e
disse que Lula seria o proprietário oculto do imóvel do Guarujá (SP),
acusando o ex-presidente de ter mandado destruir as provas que o
ligassem ao imóvel, é o principal alicerce da condenação de Moro, que
juntou às provas notícias publicadas pela imprensa e depoimentos de
possíveis inquilinos do ex-presidente.
A condenação por corrupção e lavagem de dinheiro foi proferida na
quarta-feira (12), em Curitiba (PR). O TRF-4 é responsável por julgar,
em segunda instância, a decisão.
Segundo entendimento recente do STF (Supremo Tribunal Federal), a
condenação em segundo grau é suficiente para determinar o cumprimento da
pena. Lula espera em liberdade o recurso, já que Moro evitou pedir sua
prisão imediata.
"O juízo considera provados os fatos que caracterizam corrupção
passiva, como receber um tríplex em pagamento de um serviço prestado
pela OAS por favorecê-la em contratos", afirma.
Sydney Sanches, presidente do STF entre 1991 e 1993. "Se o juiz se
baseou apenas na delação premiada, parece uma sentença vulnerável. Mas
parece que a delação foi comprovada com outros documentos que estavam
nos autos e foram examinados e, de certa forma, confirmou o que foi
delatado pelo ex-presidente da OAS [Léo Pinheiro]. Mas só o tribunal
federal poderá analisar se elas são suficientes."
Segundo o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson
Dipp, a delação é apenas um meio de obtenção de elementos de prova, e
não a prova em si. "Tudo aquilo que o delator disse tem que ser buscado.
Ou entrega provas concretas, ou dá caminho para que se obtenham
provas."
"Ele não conseguiu trazer aos autos uma única prova de que esse imóvel
pertenceu ao Lula", afirma o ex-ministro da Justiça e
ex-vice-procurador-geral eleitoral Eugênio Aragão. "O fato é um só: o
apartamento do Guarujá. O que houve foi dona Marisa [mulher de Lula,
morta em fevereiro] ter adquirido uma cota de uma cooperativa [a
Bancoop] que faliu, a OAS assumiu e, sabendo que o presidente era
cotista, resolveu fazer um apartamento mais bonito. Vai visitar, não
compra, e a OAS pede o apartamento de volta."
Moro sustentou que não seria suficiente o exame formal da titularidade
ou transferência do tríplex, e a concessão do apartamento teria ocorrido
de forma "sub-reptícia", com a manutenção da propriedade para "ocular e
dissimular o ilícito".
Provar a propriedade seria a fundamentação básica para a decisão em
segunda instância --e as provas nem sempre são tidas como contundentes.
"Não houve transferência da propriedade. Dizer que isso não é relevante
não é justo. Quando se fala em corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é
preciso ser sopesado se há fato concreto", afirma o jurista Carlos
Alberto da Ponte, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo). "Outro fator é que o presidente seria beneficiado por R$ 3,7
milhões [valor estimado do imóvel pela Lava Jato]. O apartamento vale
isso? A opinião do julgador não pode se confundir com o que há nos
autos.
Procurador-geral da República entre 2003 e 2005, Claudio Fonteles
lembra da decisão de segundo grau do TRF-4 que anulou a sentença de Moro
contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, baseada em delações
premiadas.
"É uma tese jurídica que dou total adesão. Se a defesa se lastreia em
delação, nenhuma condenação pode se manter em pé --ainda que vários
delatores tenham falado. Isso é decorrência de uma jurisdição passiva,
antiga. Que não cabe condenar alguém apenas na palavra do corréu, e quem
faz delação premiada é um corréu, porque ambos estão envolvidos. Se não
sair dessa toada e não se basear em perícias e documentos, os
testemunhos não são isentos." "Essa condenação não para em pé"
Com um currículo vasto, que inclui a orientação de doutorado do
presidente Michel Temer (PMDB), a fundação do Instituto Brasileiro de
Direito Administrativo e a inspiração para a criação da chamada Escola
Paranaense de Direito Administrativo, o jurista Celso Antônio Bandeira
de Mello afirma que já esperava esse posicionamento de Moro sobre Lula.
"Ninguém esperava uma sentença, e sim a condenação", diz. "Ele [Moro]
não se comporta como magistrado, mas como um acusador. Ele não tinha
prova e decidiu contra a lei. A propriedade imobiliária [no caso, o
apartamento de Lula no Guarujá] tem que estar registrada. Se isso não é
considerado, não dá para dizer que alguém é proprietário."
Bandeira de Mello destila críticas ao comportamento de Moro --"me
surpreendo que não tenha sido punido", "ele não parece juiz, suas
decisões não são naturais de um juiz, são sempre parciais"-- e afirma
que apenas decisões de instâncias superiores podem corrigi-la. "Não se
pode confiar que o Judiciário vá corrigir erros grosseiros", afirma o
jurista. "Essa condenação não para em pé."
"Ele [Moro] coloca coisas que não têm nada a ver com a denúncia", diz o
ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. "Chama a atenção a estrutura [da
sentença]. Não faz referência às testemunhas de defesa, só às de
acusação. Quando vai para a fundamentação, diz em mais de 200 páginas
por que ele não é suspeito por julgar Lula. É mais um esforço de
preservação de imagem. São páginas para destilar a vaidade do juiz para
se autopromover e descarregando sua bronca em cima do réu."
Os juristas também estranharam as considerações de Moro sobre a defesa
de Lula e a afirmação de que o ex-presidente não provou sua inocência no
único depoimento que deu ao juiz, em maio. "Desde o momento que
ofereceu a denúncia, sabia-se que Lula seria condenado. Quando a defesa
tentava argumentar, Moro não permitiu porque achava que era perda de
tempo. Quando tentou sua defesa, Moro cortou-lhe a palavra. Houve uma
extrema má vontade com a defesa", diz Aragão.
Segundo o ex-ministro Dipp e o ex-procurador Fonteles, nunca houve
necessidade de Lula apresentar provas de sua inocência --cabe ao
acusador, no caso o Ministério Público Federal, mostrar quais são as
acusações. "A defesa tem obrigação de apresentar a contraprova.
Testemunha tem que depor, dizer a verdade", diz Dipp. "O réu só pode
trazer a prova se ele levar uma tese de legítima defesa –mas aí ele
admitiu o fato. O ônus da prova cabe à acusação", afirma Fonteles.
Bnews
14 de julho de 2017
Ex-ministros afirmam que só provas podem sustentar ou não condenação de Lula
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